
Odeio. Assim, simples, no presente do indicativo. Mas não odeio de um jeito nobre, como aquilo que chamamos de ódio construtivo, que geralmente acompanha uma bofetada da vida, do sofrimento, e nos faz reagir. O ódio com saldo positivo, se é que pode haver algo assim. O meu ódio acontece em estado bruto, duro e frio como uma rocha, cristalizado, empedernido. Ódio cego. Camadas e camadas acumuladas, como que guardando fósseis no ponto mais profundo e mais escondido da terra que há
É claro que minha vida não se resume a isso, mas, no momento, mudar o foco da conversa para coisas agradáveis seria mais ou menos como depositar flores mortas sobre a carne viva. Completamente sem propósito. Não há motivo para misturar as coisas. Tudo em seu lugar e a seu tempo.
E sinto ódio quando acordo e me dou conta de que sei desde sempre que o fim do caminho é a morte. Que já se passou a metade da minha vida e que nunca serei a mulher que visita as pirâmides, que se aventura, que domina cinco idiomas, que conhece a poesia e a prosa do mundo. Jamais dançarei bem como gostaria. Nunca darei a volta ao mundo, ou mesmo farei um cruzeiro num grande veleiro branco. Nunca terei amantes misteriosos, não escreverei livros de sucesso, não aprenderei a tocar piano, não criarei cavalos, não morarei numa grande casa com sombra de árvores fartas e convidativas no jardim. Não passarei tardes olhando para o mar da Grécia. Não terei os músculos da Madonna. Não pintarei telas em azul e ocre. Não conhecerei a glória de me apaixonar mais dez vezes, não nadarei com golfinhos, não serei a luz da vida e a razão dos dias de mais ninguém, não arrebatarei de nenhuma outra o homem que tanto amo. Minha existência é comum e será assim até o final. É o meu papel, o que me coube na comédia.
Em dias assim é inútil querer encontrar o lado bom de qualquer coisa. Certamente estará chovendo, e o melhor é espiar pela janela com um olhar vazio, tomar um chá quente e voltar para a cama. Em dias de ódio cego, bruto e visceral, é de bom tom poupar o mundo da nossa constrangedora presença.
13 comentários:
Apelo para Baudelaire: Deise minha irmã, minha igual.
diálogo:
Smurfete- Que dia lindo,que árvore linda, que viadinho belo!!!!
Ranzinza- Eu odeio dia lindo, odeio árvore linda, odeio viad...não viadinho eu gosto!!
capice?
"Há tempos cultivo um inimigo para um dia perdoá-lo."
Da mesma forma poderia ser feito um texto dizendo " eu amo". Depende do dia.E é claro, de seu talento, cara Denise.
Até o seu jeito de odiar é fantastico mulher !!!
Ah, quando nos permitimos odiar... odiar é tão "politicamente incorreto", tão "feio", tão "anti-cristão". Perdoe, dê a outra face... nada - o ódio move o Mundo.
Eu, por exemplo, odeio burrice, estupidez, arrogância, injustiças. Mas, principalmente, quando me falta grana.
Tem uma solução, prosaica mas infalível: ganhar - sozinho, de preferência - na Mega Sena.
A única coisa que você vai continuar odiando é o Imposto de Renda (além da burrice que campeia - essa é Imortal como o ódio).
Parabéns por mais uma preciosidade, Denise.
gente!!!!
apoio ate a ultima palavraa
adooorrooo
kkkk
Cara, só agora eu me dei conta que escrevi teu nome errado lá em cima!!
PQP!! Mil perdões pela vergonha que eu passei.
Tudo bem... isso acontece... Faz de conta que foi erro de digitação.
pq nao aparece minha fotoo???
invejajajajaj
agora simmm
kkkkkkkkkkkk
Delicioso esse texto, alem de bem atual, acho que tem dias que todo mundo levanta da cama com esse ódio!
Autobiografico...
[]'s mel.
Catarse, libido e iogurte desnatado.
Toda força contida tende a dar ruptura no ponto mais frágil de seu cativeiro. Quando a frustração bate e a depressão segura meus braços eu procuro viajar, esquecer as dívidas, colecionar aromas e suar um pouco. Funciona.
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