quinta-feira, 26 de março de 2009

Do amor


Estive. Tive. Estivemos. Esteve. Teve. Eu a você, você a mim. E persiste a sensação do não-ter. Talvez porque sempre tivemos. Talvez porque nunca teremos. Ou então por alguma falha na relação tempo-espaço que criamos pra viver. Paciência? Nunca foi o meu forte, nunca foi minha virtude. Prefiro os percalços, mas conhecendo o gosto da saliva, da língua e sabendo para onde leva cada caminho que percorre o corpo. O resto é mente.

terça-feira, 17 de março de 2009

Carne fresca

Neste blog procuro não assassinar os personagens (claro, nem sempre é possível). É mais um diário, anotações, coisas assim.
Mas na 3AM tem conto novíssimo publicado - Replicante - estrelado por um dos maníacos de costume. Passe lá e espie.
http://www.3ammagazine.com/brasil/index/fiction

sexta-feira, 13 de março de 2009


FORA POR UM TEMPO.
NÃO ABANDONEI O BLOG,
NEM O DEIXEI POR AÍ
PRA VIRAR LIXO NO CYBER
ESPAÇO.
VOLTO EM ALGUNS DIAS.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Tive uns dias ruins... Ok, tive umas semanas ruins. Então, tento desesperadamente lembrar de coisas que me fariam feliz. Quero fazer uma daquelas listas de favoritos. Procuro, procuro, e descubro que não sei bem. Ou minha memória anda com grandes falhas, ou tenho falta dessas tais coisas favoritas que fazem parte da lenda pessoal de todo mundo. Que merda! Até isso tem que ser complicado? Como faço para ser simples? Como faço só para ser, e pronto.... não ansiar, não ampliar, não temer? Só ser! Não sei. Se algum dia soube, ficou nesses vazios de memória. Em todo caso, faço um esforço e busco lá no fundo da parede que bloqueia as lembranças felizes, aquelas pequenas coisas que fazem a alma grande, que dão uma sensação de conforto seguro, as tais coisas favoritas. Vamos a elas:
1. Um filme bom
2. Cheiro de chocolate
3. Beijo de boa noite
4. Lençóis brancos e limpinhos
5. Dias frios
6. Banho quente
7. Músicas do Lenine
8. Sexo de manhã
9. A delícia de um livro bom
10. O par de olhos negros de que gosto tanto.
Ao escrever o décimo item da lista, entendo por fim o motivo que me fez esquecer de ter o que lembrar.

A idade da razão?


Finalmente entendi a profética frase que ouvi em idos da minha memória relapsa feita do mais puro material descartável: a gente não recupera o tempo perdido. Na época, jurei que aquela era a mais deslavada bobagem, primeiro porque não achava que nada fosse perda de tempo, seja lá no que fosse que as pessoas empregassem suas horas. Depois, porque o conselho em si soava um pouco ridículo, anacrônico, ultrapassado. Só que acordei com quarenta anos e achando que não ia recuperar o tempo que havia perdido. E a profecia oca se tornou real.
Peguei o costumeiro chá quase fervendo, sem açúcar e sem afeto, liguei o rádio para ter a ilusão de que estava me informando sobre as coisas do mundo, e fui me observar com calma no espelho grande do quarto. Tentei usar um olhar meio alienígena, como se estivesse vendo aquela mulher que apareceu refletida pela primeira vez. Um clone estranho de mim. O que vi confirmou o medo, a dúvida, a dor e a surpresa.
Em todo esse tempo que passou, assim como o velho personagem nonagenário de García Márquez, jamais aprendi a pensar com a idade que tenho. Embora a aparência revelasse certa maturidade, que pode-se ler no olhar mais duro, mais distante, não tinha a mínima idéia de como era saber as respostas para as inquietantes perguntas que eu já fazia aos vinte. A diferença fundamental é que já não me preocupava mais em tentar respondê-las. Considerava um esforço vão.
Me doía no fundo de cada fibra menos elástica da pele as coisas que podiam ter sido e não foram. Afinal, para onde vai toda aquela vitalidade mágica que temos aos vinte, que renasce com fúria aos trinta e que foge como vampiro da luz aos quarenta. Que merda é essa que faz com que a gente finalmente entenda que é quase inevitável que a gente se torne exatamente aquilo que os outros acreditam ou imaginam que a gente seja. Por fim, concluo que não posso mais me observar com a isenção de um alienígena de passagem pela Terra, que não tenho esse desprendimento. As marcas do tempo fazem parte das escolhas que fazemos no caminho. E mais uma vez concordo tristemente com o personagem do livro do Márquez, um sábio se preparando para comemorar um possível centenário, que filosofa: a gente não sente por dentro, mas de fora todo mundo vê.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Sobre sim e não

Sorriu meio sem graça, sem saber que tinha uma mancha de batom no dente, daquelas que deixam qualquer sorriso impecável com um jeito meio suburbano de ser. Tinha ficado na fila do cinema por mais de meia hora. Era, no mínimo, desconcertante chegar ao guichê e ouvir que a sessão estava lotada. Foi então que surgiu o homem dizendo que a amiga que estava esperando não apareceu e, gentilmente, ofereceu o ingresso que tinha disponível. E ela retribuiu com um sorriso manchado de batom. Só depois descobriu a mancha quando foi ao banheiro, antes de comprar as pipocas. Isso era um sinal que ela deveria ter levado a sério. A mancha carmim no dente branco. Não é o tipo de coisa que se deva ignorar. Mas Isabel não ligou. Tomou seu lugar ao lado do moço e ficou lá até o final. Ele cheirava bem e a presença era agradável. Quando a luz acendeu novamente, conversaram um pouco sobre o filme (o diretor era anglo-indiano, a nova sensação dos cinéfilos). Ele disse que gostaria de vê-la outra vez. Ela disse que tudo bem. Trocaram telefones e cada um tomou seu rumo.
Matheus (o nome dele era Matheus e ela ficou feliz - achava que combinava com Isabel) era alto, usava óculos e tinha um rosto que ela definiu como suplicante. Um daqueles homens que não suportaria assistir a um filme sozinho num cinema lotado. Talvez por isso tivesse tomado conhecimento do seu pequeno drama na bilheteria e se apressasse em oferecer o ingresso. Ela se odiou quando descobriu que retribuiu a gentileza com um sorriso imperfeito, porque ele era bonito, charmoso e gentil. E Matheus tinha força, mas não parecia forte. E ela não gostava de medir forças. Gostava de ombro no ombro. Então, Matheus lhe parecera bom. E ele gostou da moça que ficou vermelha de leve (era mais para rosa), mas mantinha uma atitude de ataque, mesmo parecendo totalmente confusa diante do “não" da funcionária do guichê. Ela parecia não saber aceitar uma negativa, e ele achou isso bom. Para Matheus, Isabel pareceu uma corda tensa, esticada, mas não a ponto de se romper. Agradeceu em segredo a falta de consideração da amiga que não apareceu ao programa combinado.
Ela demorou mais ou menos uma semana para ligar (sim, a iniciativa foi dela). Em uma noite meio morna, lia Simone de Beauvoir (“morar apenas na minha pele enquanto o mundo é tão vasto”). Lembrou de Matheus de repente. Achou que devia falar com ele. Ele pareceu feliz em falar com ela. Conversaram um pouco e combinaram um jantar na noite seguinte. Ela iria encontrá-lo no restaurante (não, não precisava vir buscá-la). No fundo, não queria ainda entregar uma parte da sua história para Matheus, não queria revelar onde morava, como era sua casa, os objetos que tinha na sala. Ainda não. Continuou lendo até que a aranha do sono veio tecer sua teia.
No dia seguinte, procurou não pensar muito no encontro (deixaria as coisas fluírem). Mas, quando menos esperava, surpreendia os pensamentos fugindo na direção de Matheus. Será que gostava de ler? Provavelmente sim, já que tinha dado umas pistas no pouco que conversaram. Que tipo de música ouvia? Ela não iria suportar se ele gostasse de country e sertanejo. Se ele aparecesse ao encontro de jeans, camisa xadrez por dentro da calça, cinto de fivelão e botas ela seria capaz de morrer, de cair ali mesmo, dura e fulminada. E se fosse daquelas criaturas fanáticas por futebol, que acampa no sofá domingo à tarde com um monte de pacotes de salgadinhos fedorentos e uma dúzia de latas de cerveja para provocar sonoros arrotos? E se fizesse aulas de dança de salão? E se tivesse amigos insuportáveis, daqueles que não conseguem fazer nada se não for de modo coletivo e barulhento e não admitem novos membros na confraria? E se ele tiver uma mãe chata e grudenta, daquelas que querem ensinar receitas e como é que o filho gosta que dobrem suas meias e cuecas? E se sofresse de síndrome de comparação, insistisse em traçar um parâmetro infinito entre ela e a ex-namorada (e ela, claro, sempre estaria em desvantagem)? E se tivesse manias insuportáveis, tipo enfiar o dedo no nariz e ficar cutucando lá dentro cada vez que parasse num sinal de trânsito, e depois ainda grudasse meleca no volante? E se fosse compulsivo sexual e a traísse com qualquer baranga? E se fosse viciado em bate-papo na internet (coisa que ela não suportava)? E se tivesse hemorróidas e chulé? E se fosse um ciumento desequilibrado paranóico que implica até com a roupa que a gente usa, reclama do tamanho do biquíni e suspeita de tudo? E se...
E assim as horas iam passando. O momento do encontro ficava cada vez mais perto. No final da tarde, Isabel se sentia meio tonta, meio nauseada, como se estivesse num passeio de barco. O estômago se contorcia, as palmas das mãos suavam. Não estava doente. Estava paralisada de medo. Os muitos “ses” levantados durante o dia a fizeram gelar. Tinha ficado engessada numa roupa de pânico, projetando todos os passos futuros (saídas, namoro, paixão, brigas, convivência, possíveis traições, etc.). Não pensava mais na roupa que iria usar. Pensar em como se desculpar por não poder comparecer. Liquidou o assunto com um telefonema frio, dizendo simplesmente que tinha mudado de idéia e assumido outro compromisso. Tudo bem se Matheus pensasse que era louca. Isso não vinha ao caso. O que importava era que tinha se poupado de toda a dor. Não quis assumir o risco. Preferiu antecipar qualquer sofrimento. Não se dava conta que também tinha se poupado da vida. E nem pensou mais no que foi sem nunca ter sido.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Ingrediente Secreto

Ela senta na cadeira da varanda e pensa. Quando foi mesmo a última vez em que foi feliz? Feliz de verdade. Vamos lá, você sabe do que estou falando. Aquela felicidade de gargalhada, boca aberta mesmo, sem preocupação. Ela pensa. Pensa mais. Não lembra.
Mas lembra de outra coisa e procura. O que mesmo? Procura por vida, por cor. Vai até o armário e abre as portas. Nos cabides muitas roupas. Diversos tons de marrom. Diversos tons de cinza. Muitos modelos pretos. De vez em quando um verde. Pra acender a esperança. Não muito.
Vaga pela casa vazia, silenciosa. Ela também está assim, vazia, silenciosa. Não sabe que dia é no calendário do seu tempo. Nem quer saber. Está morando no oco da árvore. No labirinto.
Olha de um jeito demorado para o espelho e começa a se preparar. Tem convidados para o jantar. Nada formal. Primeiro os cabelos, maquiagem leve. Roupas e sapatos confortáveis. Casual, com ar de conforto caro. Vários tons de creme em sobreposição, como no armário. Uma jóia simples em ouro branco. Foi um presente. Um bracelete liso. Quase uma algema.
Na cozinha, os ingredientes. Um suflê. Todos gostam de suflê. Menos ela. Preferia servir os aromas secretos da paella, um prato fumegante e exótico de alguma receita tailandesa qualquer. O suflê é de cenoura. Vai servir aspargos também. A lágrima rola densa e se mistura com o que há na vasilha. Tempero de lágrimas. As suas lágrimas. Tudo no forno. Na mesa posta, os convidados esperam pelo prato principal.