
Olha e olha o céu. Bonito, o céu naquela noite. Apalpa os bolsos procurando alguma coisa. O que é mesmo? Não sabe bem, mesmo assim procura e procura. E olha para cima, com ar ansioso.
Noite clara, como não se via mais. No bolso da calça, talvez... talvez encontre o que procura. Mas não neste bolso. Ela olha o céu novamente. A última vez que o fenômeno aconteceu foi em Outubro de 1961, no dia 7. Acontecerá novamente em 2052, no dia 18 de Novembro. E acontece hoje.
Enquanto espera, pensa no carro estacionado, nas contas que precisa pagar e na limpeza que fez em casa. Antes de sair deixou tudo impecável. Adora voltar da rua e sentir um cheiro de ar fresco e limpo quando abre a porta. No bolso de trás, talvez? Procura com cuidado, enfiando bem os dedos na dobra da costura interna. Nada. Não está ali.
Alinhamento de planetas. Nome interessante. Durante o fenômeno, a Lua fica a 402 mil quilômetros da Terra, Vênus a 150 milhões e Júpiter a 870 milhões. Planetas em linha, mas a uma distância segura. Não é um encontro. É uma espécie de comboio.
Ana lembra o que ele lhe disse horas antes enquanto acariciava seu pescoço:
- Vai ser bonito. O céu. Vamos ver isso juntos, alinhados como os planetas.
Ela parada ali, o par de binóculos pendurado no pescoço, esperando e esperando. Pensava e pensava nas palavras que saíam da boca morena, macia, sorriso aberto, quase sincero. A boca de promessas vãs, a boca que dizia coisas que jamais aconteceriam. Não entendia a necessidade da ‘não-verdade’ dita assim, de modo tão mesquinho. Ele sabia que se dissesse a verdade, quer fosse boa, quer não, Ana entenderia. Sempre. Lidava bem com verdades, com qualquer verdade. Não aceitava bem as mentiras, principalmente de quem dizia lhe amar como a própria vida. E promessas que não iriam se realizar, essas ela simplesmente abominava.
No bolso da jaqueta. Será??? Merda! Em que porcaria de bolso enfiei... Enfiei o quê? Procura mais um pouco, a jaqueta tem um botão apertado na casa que fecha o bolso, demora a abrir, os dedos finos já meio frios pelo ar da noite. O uso de binóculos permite visibilidade total do movimento astronômico. Um telescópio permite que se veja somente um dos astros de cada vez. O tapete da sala, em frente à porta de entrada é novo. Ana nunca gostou de tapetes puídos, gastos, sujos. Este jamais ficaria manchado. Ela cuida disso pessoalmente.
O céu sem nuvens promete um bom espetáculo. Queria que tudo fosse claro assim, como o céu. Não havia necessidade de fatos nebulosos, nuvens escondendo atos. Sua cabeça funcionando sem parar. Pensa que podia conviver facilmente com a situação mais torpe, mais suja, mais indigna; que aceitaria o homem mais canalha, a tarefa mais abjeta, desde que tudo fosse a mais pura realidade, sem enganação, sem truque. Um senso de moral estranho, um código particular, mas serve bem. Funciona. E onde meti a porcaria da chave??? Chave!!! É isso que busca tão avidamente. O bolso interno da jaqueta, talvez. Junto com o talão de cheques. Procura e procura e procura. Esquadrinha os cantos do bolso com muito cuidado. A nódoa no tapete deu trabalho. Quase duas horas até remover completamente. Os pingos pequenos que ficaram em volta foram os mais difíceis, embora muito pequenos. E tomou um cuidado enorme na escolha do produto certo. Tapetes rotos ou manchados a incomodam desde sempre.
Os planetas Vênus, Júpiter e Lua entram em conjunção e ela assiste. Bonito. Um alinhamento de três planetas, assim, com o céu tão claro! Um triângulo amoroso no céu. Na vida, nem sempre é assim. Abriu o livro em que procurava uma citação naquela manhã, estava escrevendo um artigo e precisava lembrar exatamente as palavras. O autor era bom, mas qual era a palavra mesmo? Pegou o livro na estante. Era dele, havia esquecido em sua casa. Esquecimento providencial. Abriu e viu. Estava lá. A foto. Uma mulher. Estranha mulher. Não era bonita. Pescoço muito curto, cabeça um pouco grande. Cabelos pintados, obviamente mais escuros, a boca seria bonita se não fosse quase inchada. O queixo duplo, evidenciando o peso fora de controle com um efeito bastante antiestético. A roupa de gosto duvidoso brigando com a cor de um batom fora de moda. E a dedicatória.
“Amor, és minha vida. Ti doluuuu.... Xero.” O nome da mulher da foto e o dele enlaçados em um coração desenhado em vermelho. A data era da véspera do alinhamento dos planetas.
Vulgar. Foi a palavra que saltou à sua frente quando analisou a imagem. Personificadas ali todas as coisas que ele dizia odiar. O exagero nas roupas coloridas, o tratamento infantil dado a um adulto, a demonstração de afeto de modo adolescente, o jeito de escrever, as coisas que ele dizia detestar com fúria. Mas guardara a foto no livro favorito. O bolso da camisa, claro! Encontrou, finalmente. A pequena chave delicada, dourada, com a pequena pedra verde engastada. Abria a caixinha que guardou no porta-luvas do carro, logo depois de terminar a limpeza do tapete. Respira com mais calma e observa o céu. Pensa nele. Quando iam saindo, ele disse que não poderia ver com ela o fenômeno no céu. Tinha um compromisso. Sabe que prometeu, lamenta perder, mas depois vê uma foto na internet. Ela assiste ao vivo. Lá está a conjunção no céu claro, o ar frio. Os planetas alinhados como só se veria novamente em 2052. Pensa que até lá o tapete da entrada já estará arcaico e ninguém se importará com possíveis manchas antigas de sangue. Talvez ela também já esteja crestada como um velho papel. E, sem dúvida estará antiga a preciosa caixinha onde guardou com cuidado a língua do homem que ama, trancada com a pequena e delicada chave. De dentro da caixa, onde repousa em gaze branca, imaculada, a língua não mais fará promessa alguma que não pretenda cumprir.
Noite clara, como não se via mais. No bolso da calça, talvez... talvez encontre o que procura. Mas não neste bolso. Ela olha o céu novamente. A última vez que o fenômeno aconteceu foi em Outubro de 1961, no dia 7. Acontecerá novamente em 2052, no dia 18 de Novembro. E acontece hoje.
Enquanto espera, pensa no carro estacionado, nas contas que precisa pagar e na limpeza que fez em casa. Antes de sair deixou tudo impecável. Adora voltar da rua e sentir um cheiro de ar fresco e limpo quando abre a porta. No bolso de trás, talvez? Procura com cuidado, enfiando bem os dedos na dobra da costura interna. Nada. Não está ali.
Alinhamento de planetas. Nome interessante. Durante o fenômeno, a Lua fica a 402 mil quilômetros da Terra, Vênus a 150 milhões e Júpiter a 870 milhões. Planetas em linha, mas a uma distância segura. Não é um encontro. É uma espécie de comboio.
Ana lembra o que ele lhe disse horas antes enquanto acariciava seu pescoço:
- Vai ser bonito. O céu. Vamos ver isso juntos, alinhados como os planetas.
Ela parada ali, o par de binóculos pendurado no pescoço, esperando e esperando. Pensava e pensava nas palavras que saíam da boca morena, macia, sorriso aberto, quase sincero. A boca de promessas vãs, a boca que dizia coisas que jamais aconteceriam. Não entendia a necessidade da ‘não-verdade’ dita assim, de modo tão mesquinho. Ele sabia que se dissesse a verdade, quer fosse boa, quer não, Ana entenderia. Sempre. Lidava bem com verdades, com qualquer verdade. Não aceitava bem as mentiras, principalmente de quem dizia lhe amar como a própria vida. E promessas que não iriam se realizar, essas ela simplesmente abominava.
No bolso da jaqueta. Será??? Merda! Em que porcaria de bolso enfiei... Enfiei o quê? Procura mais um pouco, a jaqueta tem um botão apertado na casa que fecha o bolso, demora a abrir, os dedos finos já meio frios pelo ar da noite. O uso de binóculos permite visibilidade total do movimento astronômico. Um telescópio permite que se veja somente um dos astros de cada vez. O tapete da sala, em frente à porta de entrada é novo. Ana nunca gostou de tapetes puídos, gastos, sujos. Este jamais ficaria manchado. Ela cuida disso pessoalmente.
O céu sem nuvens promete um bom espetáculo. Queria que tudo fosse claro assim, como o céu. Não havia necessidade de fatos nebulosos, nuvens escondendo atos. Sua cabeça funcionando sem parar. Pensa que podia conviver facilmente com a situação mais torpe, mais suja, mais indigna; que aceitaria o homem mais canalha, a tarefa mais abjeta, desde que tudo fosse a mais pura realidade, sem enganação, sem truque. Um senso de moral estranho, um código particular, mas serve bem. Funciona. E onde meti a porcaria da chave??? Chave!!! É isso que busca tão avidamente. O bolso interno da jaqueta, talvez. Junto com o talão de cheques. Procura e procura e procura. Esquadrinha os cantos do bolso com muito cuidado. A nódoa no tapete deu trabalho. Quase duas horas até remover completamente. Os pingos pequenos que ficaram em volta foram os mais difíceis, embora muito pequenos. E tomou um cuidado enorme na escolha do produto certo. Tapetes rotos ou manchados a incomodam desde sempre.
Os planetas Vênus, Júpiter e Lua entram em conjunção e ela assiste. Bonito. Um alinhamento de três planetas, assim, com o céu tão claro! Um triângulo amoroso no céu. Na vida, nem sempre é assim. Abriu o livro em que procurava uma citação naquela manhã, estava escrevendo um artigo e precisava lembrar exatamente as palavras. O autor era bom, mas qual era a palavra mesmo? Pegou o livro na estante. Era dele, havia esquecido em sua casa. Esquecimento providencial. Abriu e viu. Estava lá. A foto. Uma mulher. Estranha mulher. Não era bonita. Pescoço muito curto, cabeça um pouco grande. Cabelos pintados, obviamente mais escuros, a boca seria bonita se não fosse quase inchada. O queixo duplo, evidenciando o peso fora de controle com um efeito bastante antiestético. A roupa de gosto duvidoso brigando com a cor de um batom fora de moda. E a dedicatória.
“Amor, és minha vida. Ti doluuuu.... Xero.” O nome da mulher da foto e o dele enlaçados em um coração desenhado em vermelho. A data era da véspera do alinhamento dos planetas.
Vulgar. Foi a palavra que saltou à sua frente quando analisou a imagem. Personificadas ali todas as coisas que ele dizia odiar. O exagero nas roupas coloridas, o tratamento infantil dado a um adulto, a demonstração de afeto de modo adolescente, o jeito de escrever, as coisas que ele dizia detestar com fúria. Mas guardara a foto no livro favorito. O bolso da camisa, claro! Encontrou, finalmente. A pequena chave delicada, dourada, com a pequena pedra verde engastada. Abria a caixinha que guardou no porta-luvas do carro, logo depois de terminar a limpeza do tapete. Respira com mais calma e observa o céu. Pensa nele. Quando iam saindo, ele disse que não poderia ver com ela o fenômeno no céu. Tinha um compromisso. Sabe que prometeu, lamenta perder, mas depois vê uma foto na internet. Ela assiste ao vivo. Lá está a conjunção no céu claro, o ar frio. Os planetas alinhados como só se veria novamente em 2052. Pensa que até lá o tapete da entrada já estará arcaico e ninguém se importará com possíveis manchas antigas de sangue. Talvez ela também já esteja crestada como um velho papel. E, sem dúvida estará antiga a preciosa caixinha onde guardou com cuidado a língua do homem que ama, trancada com a pequena e delicada chave. De dentro da caixa, onde repousa em gaze branca, imaculada, a língua não mais fará promessa alguma que não pretenda cumprir.
7 comentários:
Eu também não entendo porque a verdade é tão difícil. Verdade boa, verdade má, não importa. Just tell me the truth.
Exatamente. Mesmo que doa, dói menos que uma mentira. Sempre.
plac, plac, plac
A língua como preço da mentira.
sua diaba, eu apostaria minha língua como aqui tinha um cadáver!
vc nos mostra friamente o que se passa em milesimos de nanosegundos no cérebro dos teus assassinos psicopatas infantis, carentes e sei la em que parte do mundo vc os encontrou ou ainda eles é que te encontraram ... ha ha ha ...
bjs.
mel
ti doluuuu....
kkk... eu não disse que ele está vivo, nem disse que está morto. A personagem é quem sabe.
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