segunda-feira, 9 de março de 2009

A idade da razão?


Finalmente entendi a profética frase que ouvi em idos da minha memória relapsa feita do mais puro material descartável: a gente não recupera o tempo perdido. Na época, jurei que aquela era a mais deslavada bobagem, primeiro porque não achava que nada fosse perda de tempo, seja lá no que fosse que as pessoas empregassem suas horas. Depois, porque o conselho em si soava um pouco ridículo, anacrônico, ultrapassado. Só que acordei com quarenta anos e achando que não ia recuperar o tempo que havia perdido. E a profecia oca se tornou real.
Peguei o costumeiro chá quase fervendo, sem açúcar e sem afeto, liguei o rádio para ter a ilusão de que estava me informando sobre as coisas do mundo, e fui me observar com calma no espelho grande do quarto. Tentei usar um olhar meio alienígena, como se estivesse vendo aquela mulher que apareceu refletida pela primeira vez. Um clone estranho de mim. O que vi confirmou o medo, a dúvida, a dor e a surpresa.
Em todo esse tempo que passou, assim como o velho personagem nonagenário de García Márquez, jamais aprendi a pensar com a idade que tenho. Embora a aparência revelasse certa maturidade, que pode-se ler no olhar mais duro, mais distante, não tinha a mínima idéia de como era saber as respostas para as inquietantes perguntas que eu já fazia aos vinte. A diferença fundamental é que já não me preocupava mais em tentar respondê-las. Considerava um esforço vão.
Me doía no fundo de cada fibra menos elástica da pele as coisas que podiam ter sido e não foram. Afinal, para onde vai toda aquela vitalidade mágica que temos aos vinte, que renasce com fúria aos trinta e que foge como vampiro da luz aos quarenta. Que merda é essa que faz com que a gente finalmente entenda que é quase inevitável que a gente se torne exatamente aquilo que os outros acreditam ou imaginam que a gente seja. Por fim, concluo que não posso mais me observar com a isenção de um alienígena de passagem pela Terra, que não tenho esse desprendimento. As marcas do tempo fazem parte das escolhas que fazemos no caminho. E mais uma vez concordo tristemente com o personagem do livro do Márquez, um sábio se preparando para comemorar um possível centenário, que filosofa: a gente não sente por dentro, mas de fora todo mundo vê.

5 comentários:

Sheyla Amaral disse...

"E em qualquer lugar em que estivessem se lembrassem sempre de que o passado era mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda a primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera." Guardei essa passagem há anos. Belo texto e referência.

Camisas de futebol retro disse...

Lembro quando tinha meus 15 anos e ficava imaginando meu futuro...minhas conquistas, o dinheiro, o sucesso, as viagens, as mulheres peitudas e bundudas, uma vida de glórias...rotina...ah, esta palavra jamais faria parte do meu vocabulário. Porra, ia ser a melhor vida vivida por alguém...os anos passaram, as conquistas, o dinheiro, o sucesso, as viagens, as mulheres peitudas e bundudas...bem, devem estar na casa de outra pessoa neste momento...acho que esperamos demais de nós mesmos, ou moldamos nossas vidas num episódio de Hart to Hart..achamos que o grande amor de nossas vidas será eterno, que o céu sempre estará azul e que todos os dias serão uma grande aventura. Aí vem a dona vida e nos mostra o quão densa e complexa ela é...você aprende a ver o sucesso não em grandes feitos mas na conquista de um amigo, ou de um sorriso, a ver que o amor não é necessariamente perfeito para todos e nem por isso deixaremos de ser felizes...é cretino...é, é piegas...é...mas se revela uma verdade e ao menos pra mim está mostrando que não houve tempo perdido,todo instante foi mágico e único e como valeu e vale a pena esta vida simplória, ordinária, sem graça mas tão maravilhosa

Verbolandia disse...

Eu sempre comparo a vida a um livro escrito pela metade, no qual dia a dia vamos colocando páginas novas, de vez em quando paramos um pouco de escrever e resolvemos folhear o que foi escrito lá atrás e nem sempre acharemos aquilo interessante, mas não há volta, é apenas ler e refletir.
Maravilhoso post.

Carlos Patrício disse...

Bom mesmo seria o efeito "Benjamim Button" - ir remoçando enquanto se ganha experiência.

A verdade é que a gente, se pudesse, faria tudo diferente, não é? Com mais audácia e arrojo... e menos salvaguardas e garantias, que só servem pra nos prender a compromissos falidos.

Quanto ao Amor, não tem outra saída: se ele surgir, viva-o intensamente, com que idade for, mesmo que você veja a parede lá na frente se aproximando numa velocidade espantosa. Porque é melhor viver bons momentos, que eventualmente levem a um desastre... do que não viver absolutamente nada.

melissa anjos disse...

"... jamais aprendi a pensar com a idade que tenho..."
Eu amei esta passagem, vc é du caralho mesmo...!
beijosssssss