
Finalmente entendi a profética frase que ouvi em idos da minha memória relapsa feita do mais puro material descartável: a gente não recupera o tempo perdido. Na época, jurei que aquela era a mais deslavada bobagem, primeiro porque não achava que nada fosse perda de tempo, seja lá no que fosse que as pessoas empregassem suas horas. Depois, porque o conselho em si soava um pouco ridículo, anacrônico, ultrapassado. Só que acordei com quarenta anos e achando que não ia recuperar o tempo que havia perdido. E a profecia oca se tornou real.
Peguei o costumeiro chá quase fervendo, sem açúcar e sem afeto, liguei o rádio para ter a ilusão de que estava me informando sobre as coisas do mundo, e fui me observar com calma no espelho grande do quarto. Tentei usar um olhar meio alienígena, como se estivesse vendo aquela mulher que apareceu refletida pela primeira vez. Um clone estranho de mim. O que vi confirmou o medo, a dúvida, a dor e a surpresa.
Em todo esse tempo que passou, assim como o velho personagem nonagenário de García Márquez, jamais aprendi a pensar com a idade que tenho. Embora a aparência revelasse certa maturidade, que pode-se ler no olhar mais duro, mais distante, não tinha a mínima idéia de como era saber as respostas para as inquietantes perguntas que eu já fazia aos vinte. A diferença fundamental é que já não me preocupava mais em tentar respondê-las. Considerava um esforço vão.
Me doía no fundo de cada fibra menos elástica da pele as coisas que podiam ter sido e não foram. Afinal, para onde vai toda aquela vitalidade mágica que temos aos vinte, que renasce com fúria aos trinta e que foge como vampiro da luz aos quarenta. Que merda é essa que faz com que a gente finalmente entenda que é quase inevitável que a gente se torne exatamente aquilo que os outros acreditam ou imaginam que a gente seja. Por fim, concluo que não posso mais me observar com a isenção de um alienígena de passagem pela Terra, que não tenho esse desprendimento. As marcas do tempo fazem parte das escolhas que fazemos no caminho. E mais uma vez concordo tristemente com o personagem do livro do Márquez, um sábio se preparando para comemorar um possível centenário, que filosofa: a gente não sente por dentro, mas de fora todo mundo vê.